quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O Olhar

De vez em quando é bom perscrutar o olhar brilho, ou aquele que está por trás das aparências. Cometemos enganos, claro. Afinal na Brilholândia quando não conhecemos os donos do olhar, só o que podemos fazer é especular, opinar. Muitas outras vezes não. Ao observar mais atentamente vemos o segundo brilho, o não febril, o que não está lá, o que fala além, essas coisas. Talvez o brilho se reflita no cabelo. Cabelo que esconde o que vai ao pensamento. O que nos impede de olhar o olhar por trás. Às vezes o olhar se reflete no movimento do corpo, a cadência da música, no sentimento por trás da interpretação (seu reflexo). Às vezes não, só brilho (“nem tudo que reluz é ouro”).
Outro dia estava eu na madrugada de mais uma peregrinação pela Brilholândia, quando resolvi observar melhor o olhar brilho. Fragmentos de sentimentos se apresentaram a mim. Eu fiquei um pouco surpresa, não sei se literalmente ou por intuir, a camuflagem atrás do cabelo e posturas diversas. Vários olhares em uma só. Claro que estou falando de uma mulher (elas são menos diretas em seus olhares, mais enigmáticas, portanto, mais interessantes). Ela olha tudo (todos?!). Nem tudo. Faz parte do brilho (vixxi! Lá vou eu direto pra divagação). Bem, encontrei algumas coisas naquele olhar. Pedi a opinião de terceiros. Confirmaram isto e negaram aquilo, mas no geral concordaram comigo em algumas coisas. Aqui não irei desfiar um rosário de nada. Só os fragmentos do que me disseram. No reflexo da música, a camuflagem de certa tristeza, um medo de algo inexplicável (para esta autora é claro), uns gestos fluidos, inseguros. Uma busca por amor? Algum hermetismo. Nossa! Quanto mistério. Vocês acham que vou divagar novamente?! Não! O caso é que os múltiplos olhares causam efeitos diferentes, porém uns mesmo efeitos, entenderam? Vou tentar explicar. Talvez não consiga. Eu já disse que podemos incorrer em erros (ah! Antes que eu esqueça o mesmo ali de cima quer dizer mesmice, por isso está no singular. Será que está certo? Sei não. Fico perdida às vezes, nesta nossa tão singular língua). Parênteses à parte, vamos ao que interessa. Notei a mulher encantada com o cabelo, insinuando uma noite quem sabe... (risos). Observei as pernas bambas da lesbian chic, fazendo uns gestos de jura de algo eterno. Os “bebuns” de plantão cantando as músicas popularmente entoadas. Cadê aquele repertório do início. Era bom. O ar de fastio no ar, talvez já intuindo a saturação. Mas o jogo de corpo que é o barato da coisa. Tem sua graça e às vezes é engraçado mesmo. Mas o efeito, ah! O efeito... O mulherio fica meio alucinado e mal disfarça seus desejos. A “homarada” só olha e diz esta mulher é gostosa. Até os casaizinhos perdem o rebolado... Na falta de Angelina Jolie, quem sabe uma fantasia com ela aí... A turbulência acontece e o reconhecimento do olhar brilho se faz. É intrigante (opinião pura gente). Tem um quê de mistério mesmo. A insinuação está ali, mas falta algo que preencha as vontades. Talvez seja a consolidação do não revelado. O olhar brilho continua hipnotizando alguns. Falo de alguns porque nem todos vêem os olhares. Talvez um pouco do corpo que fala, porém os olhares perdem-se na cabeleira. Talvez nada, estão apenas querendo um bate-papo com os amigos, umas cervejas, músicas. Ela merece ao final um segundo olhar. Não pelo enfadonho rebolado, reservatório de múltiplas fantasias. Não o olhar brilho. Vocês sabem, na Brilholândia é perigoso levar a sério certos olhares. Pode confundir os sentimentos. Criar ruídos na comunicação. Distanciamentos, estas coisas. Merece o segundo olhar naquilo que está inscrito na memória (tá na hora de fechar isto aqui senão vou divagar novamente (risos)). Vou deixar em aberto e olhar o entorno. Perscrutar os outros olhares e o que eles podem causar naquele único olhar. Mas aviso de antemão que os múltiplos olhares não são características só da mulher em questão. A maioria de sua profissão tem isso. Algumas talvez usem menos. Mas estão lá.

Por Márcia Ribeiro

terça-feira, 25 de novembro de 2008

http://paradalesbica.com.br

Mais um episódio de Brincando na Brilholândia: Um brinde a ela

Por Márcia Ribeiro
13 de outubro de 2008.

12 de outubro, um domingo especial. Dia da Padroeira do Brasil – para quem não sabe, Nossa Senhora Aparecida. Dia das crianças também. Aliás, não sei porque. Acho que todo dia é dia de crianças. Mas não vou falar de nada disto. Um dia especial ou se revelaria assim, porque é dia de Parada Gay. Parada do Rio.
A partir deste trecho precisarei escolher sobre o que falar: sobre diversidade – e isto quer dizer o respeito às meninas e meninos que se relacionam com pessoas do mesmo sexo (viva o LGBT!)? Ou falar da Lei (n° 2.475/96 e outras) sobre discriminação homossexual (isto inclui os outros membros da sigla, viu gente, o LBT). Não! Vou falar do brilho, aquele que propõe uma busca ou a falta dela.
Um belo dia de domingo. Combinamos o encontro na Estação das Barcas. Pessoas desconhecidas, meras conhecidas, amigas, meras amigas. Todas lá.
E a Parada estacionada no Posto 6 em Copacabana nos aguardando.
O metrô da Carioca também estava lá nos esperando. Pagamos, entramos e a chamada de ordem: “eta, eta, eta, eu gosto é de rimar!”.
Um domingo atípico no metrô da Carioca. Muitas pessoas, a maioria indo a direção a Arcoverde. As meninas estavam animadas. Todas. Uma comentou, brincando:
_ Nossa! Mulher beijando mulher pode isso? Mulher com mulher vocês sabem, né.
Outra disse:
_Qual nada. Acho ótima a invasão das “pererecas”. Quero que o mundo acabe em “pereca” pra eu morrer afogada no líquido.
Finalmente, chegamos ao destino, ufa! E mais uma vez a chamada de ordem: “eta, eta, eta, eu gosto é de rimar!”.
Ora, ora! Esta autora descobre, finalmente saindo do transe auto-imposto (e não perguntem o porquê), que é a única a conhecer nada da maioria do grupo.
Bem, vamos à Parada!
Na realidade não vou (e nem quero) falar da Parada. Vou falar de pessoas. Pessoas que fazem a Parada, ou melhor, dizendo, os brilho-parada. Aquelas pessoas várias que estavam ali por variados motivos. Talvez o principal deles fosse a diversão, não a diversidade. Muito brilho houve. E pessoas diferentes. E o que chamou a atenção (da autora, vamos deixar claro): o sentimento de algumas, contrárias aos chatos discursos (grande retórica!).
Eu vi o brilho de tristeza daquela que queria beijar e não beijou.
Eu vi a perdida se perguntando o que estaria fazendo ali. Talvez ela não estivesse pedida e sim entediada, vai se saber...
Eu vi a menina-brilho só querendo se divertir.
Eu vi a panfletista fazendo a propaganda de sua festa.
Eu vi a descolada em sua autopromoção. Vi também a que só falava com as amigas.
Eu vi a militante querendo discursar e não conseguir _ ela ficou chateada. Até eu ficaria. Afinal, seguíamos um carro de mulheres e não ouvimos as mulheres. Onde estão as mulheres?!
Eu vi muitas paqueras e paqueras de paqueras. Então perguntam _ o que é paquera de paquera?
_ Paquera de paquera significa não estar querendo ninguém. Apenas mostrando o olhar de interesse que não significa nada além do querer se mostrar. Entenderam? Não? Nem eu. Acho que é o brilho.
Houve até aquela que mostrou os peitos, e não me perguntem o motivo. Não saberia responder.
E o ciúme, ah! O ciúme. Destrói qualquer momento...
E a volta pra casa...Antes, muita cerveja, papos, cochichos (fala de mim que eu pensarei em você, estas coisas). Uma proposta: _ vamos todos ficar bêbados e dançar até cair. Então, o cansaço e como disse, a volta. E o sentimento...De nada. Só brilho. Ofuscante brilho.
Moral da história. Fica a pergunta no ar, aliás, duas: e o motivo de estarmos ali para lutar pelo direito de expressar o amor? Encerra-se no simples ato de beijar, como o berrado de um gogó estridente masculino. Berro advindo do carro-brilho, de um palco-brilho?
_ E agora, para mostrar que este é o nosso dia vamos todos nos beijar. Mostrar pro mundo que somos gente, gente! (nossa!).
E onde estariam as mulheres com seu grito libertário: somos mulheres, lésbicas e exercemos os deveres cidadãos. Portanto, exigimos o direito de existirmos e o respeito ao direito de exercermos. Talvez estivessem ali, não sei. Apenas descrevo o que vi, brilho.
Portanto, faço um brinde a Brilholândia. Afinal, ela merece nosso respeito por ser um enigma, uma cidade de busca, um simples brilho. Mesmo assim, merece um brinde, no mínimo por ser divertida. E vamos à chamada de ordem (divertida, eu achei): eta, eta, eta, eu gosto é de...Rimar!!!

Ciranda das Letras: Em busca da identidade feminina através da leitura.



“A leitura é uma expressão política”.
“Através dela podemos exercer nossa cidadania”.

Falas como estas remetem ao pensamento da importância da leitura como subsidiária da construção do indivíduo. Nossas leituras significando a constituição de nossos saberes, nossas memórias e pode proporcionar a libertação de nossos quereres e, consequentemente, nossos posicionamentos diante do dito, do visto.
A leitura transformada em instrumento de ação cidadã.

De que maneira se pode construir a consciência da pluralidade feminina através da leitura?

Pensando neste processo criamos o Projeto Ciranda das Letras que busca formar leitoras e através de suas múltiplas leituras, transformar idéias em ações, elucidando caminhos para a construção de leituras próprias de mundo, assim como incentivar a integração de mulheres na luta contra a exclusão social e a partir da auto descoberta de sua identidade, a mulher se reconhecer como representante legítima da construção de sua cidadania.

No momento em que se dá a importância da educação continuada principalmente em países em que a erradicação do analfabetismo ainda é produto de ações do Estado, a mulher continua em posição estratificada nas relações sociais, em vista disso, percebemos que através de um projeto de leitura, é possível alcançar um intercâmbio de informações culturais com as participantes, conseqüentemente refletir sobre o papel da mulher na construção de uma sociedade mais justa e então buscar confrontar e contestar as distribuições de poder existentes: buscar um melhor acesso à educação, à saúde física e mental, uma crítica a mídia pela superficialidade com que tratam os temas, e se fortalecer contra a violência e a ausência de cidadania imposta. É a importância da informação como instrumento de poder para a construção da memória, do conhecimento e da identidade.

Este é um projeto aberto a todas as mulheres, em especial a mulher lésbica que há muito vem sendo estigmatizada nas discussões acerca das identidades femininas.

Vale observar que desde o início do Movimento Feminista, a sociedade machista as acusa de odiarem os homens e as reivindicações são frutos de sua orientação sexual desviada do papel que a mulher deve desempenhar: a mulher concebida e criada para as funções domésticas e de procriação. Em vista disto muitas feministas isolaram as questões lésbicas em busca do afastamento do que consideraram estigma.

Com o exposto percebemos que através da leitura podemos buscar subsídios para discutir não só a lesbianidade local ou externa, como também refletir sobre a questão da educação feminina no Brasil e as conseqüências advindas da não orientação adequada ao papel social desempenhado pela mulher em nossa sociedade.

Para tanto apontamos algumas provocações que terão relevância em nossas leituras:
• Em busca da identidade:

O feminino é bonito. Somos mulheres que gostamos de mulheres. Não precisamos construir artificialismo nem confundir orientação com identidade já que esta última no imaginário social vê a lésbica como mulher que se comporta igual aos homens, de forma masculinizada. O que para algumas acaba por se transformar numa forma de transgredir e assumir publicamente sua lesbianidade, inclusive reproduzindo os discurso de gênero, isto é, prevalece o masculino e há o apagamento do feminino.

• A mulher estigmatizada

No imaginário social as mulheres são passivas nas relações sexuais.

• A amor como construção cultural

As mudanças sociais ocorridas a partir dos movimentos de minorias eclodiram nos anos de 1970 no Brasil e a revolução sexual surgiu em meio às várias reivindicações interferindo inclusive na estrutura familiar, o que culminou nos questionamentos do papel da mulher na sociedade.

• Um lugar para se expressar

Todos sabem que não existem muitos lugares somente para meninas. E, aqueles que estão disponibilizados, são estereotipados.

Queremos oferecer um lugar onde construir uma identidade saudável sem os fantasmas sociais que rondam nosso cotidiano: ser ou não ser, eis a questão.


Esperamos com o projeto:

Instrumentalizar a mulher para se constituir em elemento transformador de leitura e interpretação de textos literários ou não;

A mulher enquanto escritora de sua memória e não simples leitora de sua história;

Através dos múltiplos olhares, construir seu próprio texto e então sim, tornar-se leitora da própria escrita.


Contamos com vocês mulheres para o sucesso de nosso empreendimento!


Márcia Ribeiro

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

25 de Novembro Dia Internacional da Não Violência contra mulheres


16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres.



25 DE NOVEMBRO DIA INTERNACIONAL DA NÃO VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES.

TEM MULHERES LÉSBICAS, BISSEXUAIS E TRANSEXUAIS NA PARADA, PELA ABOLIÇÃO DO RACISMO, MACHISMO E HOMOFOBIA.



- 25 de novembro foi declarado Dia Internacional da Não-Violência contra as Mulheres no primeiro encontro Feminista da América Latina e Caribe organizado em Bogotá, Colômbia, de 18 a 21 de Julho de 1981.

Neste encontro, houve uma denúncia sistemática de violência de gênero, desde os castigos domésticos, às violações e torturas sexuais, o estupro, o assédio sexual, a violência pelo governo, incluindo tortura e abuso de mulheres prisioneiras. Este dia foi escolhido para homenagear o violento assassinato das irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa) no dia 25 de Novembro de 1960, pelo ditador Rafael Trujilo, na República Dominicana. Em 1999, as Nações Unidas reconheceram oficialmente o 25 de Novembro como o Dia Internacional da Não-Violência contra as Mulheres.

A Articulação Brasileira de Lésbicas- ABL incluindo a homoafetividade feminina nesse momento lembra Fannyann Eddy.

Fundadora da associação LGBT de Serra Leoa, palestrante, tanto na Organização das Nações Unidas como em outros órgãos, que Citava"Vivemos com medo em nossas comunidades em virtude do assédio e da violência originária de vizinhos e outros." Os ataques homofóbicos ficam impunes perante as autoridades, o que encoraja o tratamento discriminatório e violento desses grupos contra gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros", disse certa vez ao falar nas Nações Unidas.

Eddy foi assassinada em 28 de setembro de 2004, dias depois de ter dado depoimentos sobre as ameaças de violência por que passam lésbicas e gays. Homens entraram à noite na Associação de Lésbicas e Gays de Serra Leoa — Sierra Leone Lesbian and Gay Association (SLLAGA) —, onde ela trabalhava, estupraram-na e a espancaram, além de quebrarem seu pescoço, levando-a a óbito. Fannyann deixou um filho de 10 anos de idade, e sua companheira Esther.

A ABL criou umpostal lembrando Fannyann Eddy, vinculando a homoafetividade feminina a campanha dos 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, no qual coloca a disposição de suas afiliadas para reprodução.



OBS: Esse postal também pode ser impresso devendo constar a promoção da SPM.







Contatos para orientação/ sugestão/ informação:

ABL- abl2006@gobo.com, abl.assessoriatecnica@gmail.com



Saudações homoafetivas



Yone Lindgren

Coordenação Campanha TMP

Orkut de Lésbicas

Um orkut aplicado apenas paras mulheres que tem prazer em conhecer outras mulheres.
www.paradalesbica.com.br

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

É compreensível em nossa época, a atenção dada aos dados epidemiológicos acerca da AIDS, uma doença existente no mundo inteiro e que atinge milhões de pessoas, independente de sexo biológico, identidade de gênero, orientação sexual, raça/etnia ou classe social. Desestigmatizar os inúmeros mitos da doença além de um desafio é um compromisso para tornar melhor a vida de nossa sociedade, promovendo a cidadania dos portadores e um avanço para a descoberta da cura.

Nesse sentido, os recursos são investidos para que toda a população tenha acesso à medicamentos e pesquisas, entretanto, é sabido que o segmento das mulheres lésbicas, bissexuais e pela invisibilidade de suas demandas, não são abrangidas pelas políticas públicas de combate à AIDS, implicando desperdícios de recursos com atenção à saúde e baixa eficácia no tratamento efetivo de suas necessidades.

Após o lançamento do Dossiê “Saúde das Mulheres Lésbicas: Promoção da eqüidade e da integralidade” pela Rede Feminista de Saúde, vieram à tona, informações que até então eram totalmente desconhecidas pelo próprio Movimento GLBT, as questões sobre saúde das Mulheres Lésbicas e Bissexuais, sempre se mantiveram à margem dos estudos, por não pertencer às categorias reprodutivas da sociedade. Portanto, na medida em que as reivindicações dos direitos sexuais não-reprodutivos, integram-se como parte dos direitos humanos das mulheres, sendo compreendidas como argumento que dá suporte às Lésbicas, suas especificidades vêm ganhando, nos últimos anos, apoios de diferentes atores e atrizes sociais (feministas, militantes lésbicas, técnicos de agências governamentais, como Ministério da Saúde e o da justiça)

No entanto ainda sofremos uma carência de informações para estimar o tamanho da população homossexual feminina, conhecer aspectos relacionados a crenças, atitudes e práticas vinculadas à saúde e à sexualidade, o que torna difícil a identificação das demandas como ponto de partida para a formulação de políticas públicas. Então para este projeto utilizamos como ponto de partida, informações de nossas reuniões com mulheres da cidade, dados coletados através de entrevistas pessoais e conversas informais, como também contribuições essenciais do Grupo de Mulheres Felipa de Sousa, organização pioneira neste tipo de projeto que permitiu inclusive o acesso ao material pesquisado e a utilização do Projeto “Espelho de Mim” como fonte.



“Difícil época a nossa em que se torna mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito”
Albert Einstein

Conversas de Botequim apresenta: Brincando na Brilholândia


O cliente seguro

O garçom se aproxima de minha mesa. Perdição, só queria beber uma coca-cola. Ele pergunta:
_ Uma cerveja? Tem Antártica, já esquecida de meu propósito anterior de beber algo com menos álcool.
_ sim.
_ qual o preço. Ele me responde, R$ 3,20.Vem a cerveja e o garçom imediatamente vislumbra o cliente preferido. O primeiro de uma série. E o homem olha. E a lésbica olha. E a menina olha. E chega outro cliente preferencial. O garçom responde a algo dito:
_ A senhora pode, a senhora pode.
Observando aquelas poucas pessoas à volta, inicio minha segunda cerveja. O segundo garçom olha, parado na sarjeta e o primeiro garçom também olha, esperando que ao fundo das mesas alguém o chame. E espera o próximo cliente (neste momento em minha torta visão) amigo também, para sorrir e apertar a mão.
O garçom anda por entre todas as mesas, cumprimenta, sorri, conta piada – não pára na minha. A esta altura já estou com minha garrafa vazia e fora da “camisinha”. E vem o terceiro garçom, após rodear tantas mesas... Mais uma? Eu, já no auge de minha intrigante peregrinação respondo a “saideira”. Será? Chega uma moça. O garçom a leva até a mesa. Ela senta a minha frente. Tenho vontade de ir ao banheiro. Havia pedido uma única vez para que o segundo garçom olhasse minha bolsa. Mas desta vez havia a moça, ela poderia olhar minha bolsa (é chato estar no bar sozinha nestes momentos, só, com a bolsa). Então lhe pedi (a moça) que tomasse conta da bolsa por alguns instantes – não queria incomodar – acho que ela pensou em algo parecido com uma cantada. Por incrível que pareça, não era – inocência total – só queria estar ali, peregrinando. Volto à mesa momentos depois em tempo de ver o garçom cumprimentar um casal. O segundo garçom toma um “pito” do gerente: havia chegado um grupo e ele não vira. O terceiro garçom (um cara guerreiro) estava em outro plano, vigiando os outros dois. Após o último gole da terceira cerveja e percebendo que um único garçom estava disposto a me atender (o terceiro), observo o garçom conversando com a moça da não cantada (a tal). E ela diz: só vou beber uma, pois estou “dura”... Um rapaz bonitinho, ta bom! Um gato me observando. Talvez ele queira como eu somente observar, ou talvez seja tímido pra se aproximar, ou talvez seja tão ruim de cama que esteja vendo em mim aquelas coisas sabem, aquelas coisas de sexo casual, um beijo fugidio (nossa, será problema de auto-estima? (risos). Coitado, não sabe ele que seu olhar é apenas parte da Brilholândia e eu não estou a fim de nada com homens... os homens, credo!!!!
Voltando à moça que ia beber apenas uma, quando percebi a velha história da dureza, coisa que entendo muito bem, perguntei-lhe se queria beber a “saideira” comigo – ela disse não, inventou uma desculpa qualquer. Voltei-me então para o grupo que se juntara a lésbica (já citei ela). Tem umas meninas bonitas na mesa (riso contido). Eles me observam: gente sei que pra vocês parece estranho alguém sozinho no botequim, escrevendo e olhando diretamente pra vocês. É um hobby! É algo diferente do que estão acostumados a ver? (tudo isto eu apenas pensei). Eles percebem que estou escrevendo sobre eles. Disfarçam quando resolvo olhar-lhes nos olhos, ué, por que estão rindo? Disfarçam... riso amarelo. É engraçado, rio da cara deles... ah! Deixa pra lá... Se eu tentasse responder ao olhar eles provavelmente me achariam maluca. Cansei de ficar olhando. Então, abri o caderno e comecei a escrever. Quando levantei a cabeça, encontrei o casal aos beijos e a menina me olhando com ar curioso. Não consegui decifrar. Estranho olhar aquele. Estava cansada de não ser bem atendida. O garçom conversando com seus amigos clientes (os clientes seguros). O segundo garçom abstraindo, olhando as meninas. E o terceiro, bem, atende ao longe... É esperto, muito esperto. Tem amigos, um sorriso largado e com sua barriga proeminente, transpira boa vontade e ironia, pronto pra fazer amizade. Ele se aproxima e pergunta o que tanto escrevo, sorriso solto, se apresenta, se insinua, acho que me achou bonita. Conversamos um pouco – pareço irritada? Ele diz que sim. Falo mal de seu colega de trabalho, o garçom, só dá atenção aos que conhece. Ele defende – é que aquelas pessoas vêm aqui quase todos os dias, justifica... Justifica?!
De repente o bar enche. Terminou a última aula da universidade (quase 22 horas). Penso que é hora de minha retirada. O terceiro traz a conta e as meninas olhando sem parar. Penso em ficar, me aproximar, mas percebo um olhar enviesado da “fancha” farejando concorrência (imagina! Euzinha? Esquece... Estou tão desgarrada de minhas vontades que o tesão acaba ficando em segundo plano, mas ela não sabe disso, né). Uma última olhada, mostro pra moça do balcão o monte de garrancho e digo que será uma crônica. Ela não leva muita fé...
Uma última olhada. Um aperto de mão no terceiro garçom. Um sorriso e fui.
Por Márcia Ribeiro[i]

[i] Márcia Ribeiro é Bibliotecária, formada pela UFF e nas horas vagas escritora amadora.