quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Conversas de Botequim apresenta: Brincando na Brilholândia


O cliente seguro

O garçom se aproxima de minha mesa. Perdição, só queria beber uma coca-cola. Ele pergunta:
_ Uma cerveja? Tem Antártica, já esquecida de meu propósito anterior de beber algo com menos álcool.
_ sim.
_ qual o preço. Ele me responde, R$ 3,20.Vem a cerveja e o garçom imediatamente vislumbra o cliente preferido. O primeiro de uma série. E o homem olha. E a lésbica olha. E a menina olha. E chega outro cliente preferencial. O garçom responde a algo dito:
_ A senhora pode, a senhora pode.
Observando aquelas poucas pessoas à volta, inicio minha segunda cerveja. O segundo garçom olha, parado na sarjeta e o primeiro garçom também olha, esperando que ao fundo das mesas alguém o chame. E espera o próximo cliente (neste momento em minha torta visão) amigo também, para sorrir e apertar a mão.
O garçom anda por entre todas as mesas, cumprimenta, sorri, conta piada – não pára na minha. A esta altura já estou com minha garrafa vazia e fora da “camisinha”. E vem o terceiro garçom, após rodear tantas mesas... Mais uma? Eu, já no auge de minha intrigante peregrinação respondo a “saideira”. Será? Chega uma moça. O garçom a leva até a mesa. Ela senta a minha frente. Tenho vontade de ir ao banheiro. Havia pedido uma única vez para que o segundo garçom olhasse minha bolsa. Mas desta vez havia a moça, ela poderia olhar minha bolsa (é chato estar no bar sozinha nestes momentos, só, com a bolsa). Então lhe pedi (a moça) que tomasse conta da bolsa por alguns instantes – não queria incomodar – acho que ela pensou em algo parecido com uma cantada. Por incrível que pareça, não era – inocência total – só queria estar ali, peregrinando. Volto à mesa momentos depois em tempo de ver o garçom cumprimentar um casal. O segundo garçom toma um “pito” do gerente: havia chegado um grupo e ele não vira. O terceiro garçom (um cara guerreiro) estava em outro plano, vigiando os outros dois. Após o último gole da terceira cerveja e percebendo que um único garçom estava disposto a me atender (o terceiro), observo o garçom conversando com a moça da não cantada (a tal). E ela diz: só vou beber uma, pois estou “dura”... Um rapaz bonitinho, ta bom! Um gato me observando. Talvez ele queira como eu somente observar, ou talvez seja tímido pra se aproximar, ou talvez seja tão ruim de cama que esteja vendo em mim aquelas coisas sabem, aquelas coisas de sexo casual, um beijo fugidio (nossa, será problema de auto-estima? (risos). Coitado, não sabe ele que seu olhar é apenas parte da Brilholândia e eu não estou a fim de nada com homens... os homens, credo!!!!
Voltando à moça que ia beber apenas uma, quando percebi a velha história da dureza, coisa que entendo muito bem, perguntei-lhe se queria beber a “saideira” comigo – ela disse não, inventou uma desculpa qualquer. Voltei-me então para o grupo que se juntara a lésbica (já citei ela). Tem umas meninas bonitas na mesa (riso contido). Eles me observam: gente sei que pra vocês parece estranho alguém sozinho no botequim, escrevendo e olhando diretamente pra vocês. É um hobby! É algo diferente do que estão acostumados a ver? (tudo isto eu apenas pensei). Eles percebem que estou escrevendo sobre eles. Disfarçam quando resolvo olhar-lhes nos olhos, ué, por que estão rindo? Disfarçam... riso amarelo. É engraçado, rio da cara deles... ah! Deixa pra lá... Se eu tentasse responder ao olhar eles provavelmente me achariam maluca. Cansei de ficar olhando. Então, abri o caderno e comecei a escrever. Quando levantei a cabeça, encontrei o casal aos beijos e a menina me olhando com ar curioso. Não consegui decifrar. Estranho olhar aquele. Estava cansada de não ser bem atendida. O garçom conversando com seus amigos clientes (os clientes seguros). O segundo garçom abstraindo, olhando as meninas. E o terceiro, bem, atende ao longe... É esperto, muito esperto. Tem amigos, um sorriso largado e com sua barriga proeminente, transpira boa vontade e ironia, pronto pra fazer amizade. Ele se aproxima e pergunta o que tanto escrevo, sorriso solto, se apresenta, se insinua, acho que me achou bonita. Conversamos um pouco – pareço irritada? Ele diz que sim. Falo mal de seu colega de trabalho, o garçom, só dá atenção aos que conhece. Ele defende – é que aquelas pessoas vêm aqui quase todos os dias, justifica... Justifica?!
De repente o bar enche. Terminou a última aula da universidade (quase 22 horas). Penso que é hora de minha retirada. O terceiro traz a conta e as meninas olhando sem parar. Penso em ficar, me aproximar, mas percebo um olhar enviesado da “fancha” farejando concorrência (imagina! Euzinha? Esquece... Estou tão desgarrada de minhas vontades que o tesão acaba ficando em segundo plano, mas ela não sabe disso, né). Uma última olhada, mostro pra moça do balcão o monte de garrancho e digo que será uma crônica. Ela não leva muita fé...
Uma última olhada. Um aperto de mão no terceiro garçom. Um sorriso e fui.
Por Márcia Ribeiro[i]

[i] Márcia Ribeiro é Bibliotecária, formada pela UFF e nas horas vagas escritora amadora.

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